Conversamos com Cristiano Ferri Faria sobre os impactos e as mudanças que a tecnologia promoverá na atuação e rotina do gestor público. Entre as tendências de transformação, o pesquisador de inovação na área pública e professor no Centro de Formação e Treinamento da Câmara dos Deputados falou que o servidor do futuro não terá mais o trabalho mensurado pela carga horária cumprida, por meio do ponto batido, mas pela entrega de resultados.
Conecta: Pode comentar sobre o futuro do trabalho na sociedade e como as organizações públicas serão impactadas?
Cristiano: Existem vários aspectos sobre o futuro do trabalho que afetam as organizações públicas. O impacto das tecnologias, em especial o da inteligência artificial, que acelera a automação do processo de trabalho. Além de substituir trabalhos repetitivos, a IA começa a chegar em atividades que não são padronizáveis, ou seja, computadores começam a ter capacidade de aprender a criar, e não apenas executar. Isso afeta muito os órgãos públicos, pois significa redução de custos. Colocar um robô que vai fazer o trabalho de todo um departamento, não apenas operacional, significa economia. Outro aspecto que vai afetar a forma como trabalhamos nos órgãos públicos é a questão de não precisar necessariamente estar presente fisicamente no órgão. O servidor / gestor público não precisa estar ali batendo ponto. O trabalho remoto, online, de gestão nas diversas tecnologias e instrumentos que facilitam isso, inclusive formas de mensuração do trabalho, é uma tendência inevitável que vai afetar a forma como o serviço público se organiza.
Conecta: Como será o gestor público do futuro?
Cristiano: O gestor público do futuro vai utilizar várias ferramentas tecnológicas, vai poder ter um alto índice de performance, uma grande eficiência, equivalente a dezenas, centenas de servidores públicos no modelo atual. Então, ele tem que ser uma espécie de gestor dessas tecnologias. Tende a ser um bom comunicador e, necessariamente, precisa entender de dados (trabalhar e usar dados). Também deve ter cada vez mais um pezinho na ciência, a chamada evidence-based policy (política pública com base em evidências). Isso será inevitável para todo serviço público. Este gestor vai estar ali usando várias tecnologias, com paineis de dados, tomando decisão e coordenando equipes coesas, organizadas de forma remota, multidisciplinares e que trabalhem com base em resultados. Mais do que bater ponto e cumprir horário, o gestor do futuro vai estar comprometido com resultados e vai ganhar seu salário em função desses resultados. Portanto, terá muito mais flexibilidade, mais qualidade de vida e isso também vai gerar efeitos positivos em sua performance, uma coisa puxando a outra.
Conecta: Como os gestores atuais podem se adequar a esse futuro?
Cristiano: Primeiro eles precisam passar a conhecer, precisam estudar como essas novas tecnologias se aplicam à área pública, em especial big data e IA. Hoje o gestor tem que necessariamente entender sobre isso para, quando tiver um problema, saber se deve ou não aplicar essas tecnologias, além de como fazer isso. Segundo ponto: o gestor precisa conhecer ciência de dados, precisa entender cada vez mais e também ter pessoas especialistas nisso em suas equipes, como cientistas de dados, analistas de dados. Terceiro: adotar formatos flexíveis de trabalho com equipes multidisciplinares, com processos que coloquem as informações de trabalho na nuvem e outras ferramentas que permitam trabalhar a distância. Com isso, ele consegue ter flexibilidade e agilidade de trabalhar com pessoas alocadas em diversos lugares e com diversas habilidades, com muita capacidade de performance. Isso otimiza o trabalho, sem perder tempo com transporte, local fixo de trabalho… Quarto ponto: o gestor público tem que estar o tempo todo estudando, a aprendizagem deve ser contínua para ele e para sua equipe. Ele tem que investir um tempo do seu dia fazendo cursos técnicos ou adquirindo conteúdos informais. Ou seja, prática e disciplina de aprendizagem.
Conecta: Quais lições aprendidas e evoluções podemos ver no Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados?
Cristiano: O LABHacker é o laboratório de inovação da Câmara dos Deputados voltado para parlamento aberto. Ele, em seus 5 anos e meio de existência, tem promovido uma série de experimentos de inovação no modelo aberto, ou seja, está sempre em construção com membros da sociedade civil, de organizações sociais, acadêmicos e até de startups, com parlamentares e servidores de outros órgãos públicos, sempre articulando essas redes de conhecimentos e experimentando diversas maneiras de criação. Nós atuamos em 3 temas: transparência, participação e cidadania, com projetos colaborativos e experimentais. Para incrementar a transparência da Câmara, por exemplo, a gente já fez diversas atividades colaborativas, como o uso de dados abertos, a criação de uma cultura de liberação e organização dos dados, o auxílio a organizações sociais que procuram entender melhor como funciona o processo legislativo. Sobre o lado da participação, que é mais forte ainda, nós coordenamos o portal e-Democracia, que é até anterior ao Laboratório Hacker. Esse portal promove uma série de discussões entre cidadãos e parlamentares para a construção de textos legislativos. São várias leis que foram construídas nesses últimos 10 anos nesse formato, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Juventude, a nova lei de proteção de dados pessoais e algumas outras.
Conecta: Quais outros projetos de tecnologia na Câmara podem ser citados que fizeram a diferença na vida do cidadão?
Cristiano: A Câmara tem promovido uma série de outras ações voltadas para o incremento da cidadania. Para citar, um conjunto delas que me parece muito importante são as ações desenvolvidas pelo Centro de Formação e Treinamento, que tem projetos voltados à educação para a democracia, por exemplo. E tem ações como a missão pedagógica, em que, por alguns dias, professores do Brasil participam de uma série de palestras e ações educativas na Câmara dos Deputados e levam conteúdo e cursos com formatos diferentes para as escolas. Também tem projetos como o Estágio-visita, em que estudantes de faculdades de várias partes do país passam por lá durante uma semana vivenciando a rotina do trabalho parlamentar. Além disso, tem outras ações voltadas ao parlamento jovem, em que garotos passam alguns dias simulando a vida parlamentar. E os projetos e cursos de educação a distância, como o EVC – Escola Virtual de Cidadania, com uma série de conteúdos que tenta aproximar o cidadão do parlamento, entendendo que a dimensão de educação é essencial e tem que estar ligada com as outras dimensões de transparência e participação.
Cristiano Ferri Soares de Faria atua como profissional da Câmara dos Deputados desde 1993. Ele foi o fundador do Laboratório Hacker e um dos idealizadores do portal e-Democracia. É doutor em ciência política e sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Mestre em Políticas Públicas pela Queen Mary College – Universidade de Londres, e pesquisador associado do Ash Center for Democratic Governance and Innovation da Universidade de Harvard.
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